Antes era no grito, com carteiras pretas agitadas no ar, na parede de um armazém, no cais do porto, à mercê da escolha do mestre. Hoje, é na palma da mão e por meio de conexão com a internet que o trabalhador portuário avulso do Porto de Santos acessa um aplicativo no celular e escolhe o trabalho e o local disponíveis. O fato é que ao longo das últimas décadas, a forma de escalação sofreu intensas transformações, navegando pelos avanços tecnológicos.
O primeiro sistema de escala eletrônica foi implantado pelo então Órgão Gestor de Mão de Obra do Porto de Santos (Ogmo Santos) em 2006. Já em 2019, a escalação passou a ser feita via aplicativo Ogmo Santos Digital. Porém, assim como a evolução da escala, também é histórica a resistência do trabalhador portuário avulso ao sistema eletrônico.
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“Quando entrei, era no grito. Antes, o mestre escolhia quem ele queria levar ao trabalho, agora é por número e você vai na sua vez. Tenho saudades daquela época. A escala eletrônica mexeu em um sistema que dava certo desde a sua criação”, disse o estivador tratorista Alex de França Bio, de 49 anos. Bio atua no Porto de Santos há 30 anos, sendo a terceira geração de sua família no ramo.
Seu avô, Reinaldo Alves Bio, foi estivador por mais de 40 anos e o seu pai, Eduardo Antônio Bio, se dedicou ao cais por 47 anos, até o seu falecimento, em 20 de março de 2019, em decorrência de um acidente de trabalho. O amor ao ofício e ao Porto de Santos são coisas de sangue e está tatuado nos genes da família Bio.
“Eu amo trabalhar no Porto, dele tiro o sustento da minha família e não sei fazer outra coisa. Meu avô e meu pai também amavam o que faziam”, contou Bio, que tem no seu pai a sua maior referência. “Sou estivador tratorista, assim como meu pai era. Eu o admirava muito”, declarou.
Ponderações
O presidente do Sindicato dos Estivadores de Santos e Região (Sindestiva), Bruno José dos Santos, que conta 30 anos dedicados ao porto santista, não aprova a escala eletrônica.
“Presencialmente era melhor. Conseguíamos reverter alguns problemas que surgiam na hora da escala. Hoje, por exemplo, se o operador faz uma requisição errada, o sistema não corrige. Quando era presencial, a gente falava com o escalador e o problema era arrumado na hora”, afirmou o sindicalista.
“Para o trabalhador, a escala remota, por meio de aplicativo, trouxe prejuízo. Cada turma começa num número por causa da quantidade de trabalho. Já aconteceu de o sistema embaralhar tudo e chamar quem já tinha trabalhado e não quem estava ‘agulhado’ (o trabalhador da vez, o primeiro a escolher o trabalho no sistema)”, explicou.
Há quatro turnos de seis horas de trabalho por dia no Porto de Santos. Em cada período, são engajados de 10 a 300 trabalhadores portuários avulsos, de acordo com o sindicalista.
“O ponto positivo da escala eletrônica é que o trabalhador já sai de casa empregado. Mas, se você fizer uma pesquisa junto aos trabalhadores, eu creio que 98% diriam que gostariam que houvesse pelo menos um ponto de escalação presencial. Não existe mais. Quando dá problema na escala digital, todo mundo liga para o sindicato. Imagine 1.200 homens ligando para nós, reclamando quando o sistema cai e ele não pode trabalhar porque não foi escalado na vez dele e fica no prejuízo”, comentou.
O Ogmo Santos implantou a plataforma digital de escalação em 2019, por meio do aplicativo Ogmo Santos Digital e pelo site. Procurado por A Tribuna, para comentar sobre as transformações nas escalas dos trabalhadores avulsos, o órgão não retornou até o fechamento desta edição.
*Portuário há 30 anos, Alex Bio “herdou” do pai, Eduardo Bio, o amor pela estiva e pelo Porto de Santos
Fonte: a Tribuna ONLINE | Foto: Divulgação Matheus Tagé/AT
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