A proposta de criação de uma linha para financiar as empresas brasileiras que exportam para a Argentina, discutida nesta semana com a visita do presidente Alberto Fernández, pode trazer riscos para o Brasil. A crise cambial argentina tem resultado em perda significativa de reservas internacionais, o que pode levar o país a enfrentar dificuldades para cumprir pagamentos, incluindo importações.
O presidente Lula disse que iria conversar com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para "retirar a faca do pescoço da Argentina" e com outros organismos internacionais, como o Banco dos Brics, para tentar conter a crise. Ele afirmou que o objetivo não é ajudar os argentinos, mas sim aumentar a participação brasileira no comércio do país vizinho, que vem sendo ocupado cada vez mais pela China.
O colapso econômico argentino não é recente, mas a escalada da situação é preocupante e pode impactar as relações comerciais com o Brasil. Dados levantados pela Vixtra, fintech de comércio exterior, junto à Secretaria de Comércio Exterior, mostram que, de 2013 a 2022, as exportações do Brasil para a Argentina caíram de US$ 19,6 bilhões para US$ 15,3 bilhões.
O percentual da relevância da Argentina nas exportações despencou de 8,4% em 2013 para 4,6% em 2022. Como comparação, o valor das exportações da China, um dos maiores parceiros comerciais do Brasil, saltou de US$ 46 bilhões (2013) para US$ 89 bilhões (2022).
Leonardo Baltieri, co-CEO da Vixtra, alerta que a crise cambial na Argentina é preocupante e pode trazer riscos para as relações comerciais entre os países. "As empresas devem estar atentas e preparadas para enfrentar possíveis desafios decorrentes dessa situação, como a falta de pagamentos ou atrasos nas transações comerciais", adverte.
Para o executivo, é preciso cautela quanto ao momento vivido pela nação vizinha. "As frequentes crises enfrentadas pela Argentina, com a escassez da moeda americana, fizeram com que o mercado nacional se preparasse melhor para o risco de possíveis atrasos — que se tornaram frequentes ao longo dos anos — com a adoção de seguros, diversificação de mercados e estabelecimento de contratos de garantias cambiais. Evidentemente, apesar dessas medidas, ainda há riscos. Por isso, é preciso cuidado e precaução nas negociações", adverte.
Baltieri ressalta, ainda, as dificuldades históricas das empresas brasileiras com a nação vizinha. "No geral, a crise cambial na Argentina é um desafio para as empresas brasileiras que têm relações comerciais com o país. É importante estar atento às mudanças no cenário econômico e buscar formas para mitigar os impactos da crise e manter a competitividade no mercado argentino", analisa.
Sobre a possibilidade de oferecer linhas de crédito, a ideia é criar um "crédito de exportação", um financiamento às empresas brasileiras que vendem para empresas argentinas que importam serviços e mercadorias do Brasil. O governo encontrou um impasse para propor garantias no projeto.
Garantias
Segundo Lula, uma das opções incertas seria convencer o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), conhecido como Banco do Brics, e dirigido atualmente pela ex-presidente Dilma Rousseff, a ajudar a Argentina ao assumir o risco de calote. A alternativa depende do aval dos outros quatro países que fazem parte do bloco econômico, o que não deve ser uma tarefa fácil. Outra opção, e que encontra resistência pela equipe econômica, é o Fundo Garantidor de Exportação (FGE) do Tesouro brasileiro, que cobriria prejuízos causados por uma eventual inadimplência da Argentina.
Os financiamentos sem garantia já provaram não ser uma boa escolha. O Brasil acumula calote de três países contemplados com empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que somam R$ 5,2 bilhões. A Venezuela deixou de pagar dívidas de R$ 3,45 bilhões, Moçambique não quitou R$ 641 milhões e Cuba deu um calote de R$ 1,12 bilhão.
"O governo tem tentado oferecer algumas linhas de financiamento para a Argentina que interessam ao Brasil, principalmente por envolverem exportação de produtos brasileiros. Mas, evidentemente, considerando a situação da Argentina, tem que haver contragarantias. A discussão está sendo justamente que tipo de garantias eles poderiam dar para pagamentos futuros. Isso realmente é feito por meio de reservas, o que é um problema diante do colapso cambial ou títulos do governo", pondera Welber Barral, sócio da BMJ e ex-secretário de Comércio Exterior.
A Fazenda alega que o risco da modalidade de crédito estaria atrelado à conversibilidade da moeda. Existe a ideia de que as transações entre os dois países deixem de ser feitas por uma terceira moeda, o dólar. "Alterar a forma de negociação cambial entre Brasil e Argentina sem ter a necessidade de ser intermediada por uma moeda externa como o dólar ajuda o país tanto a se recuperar quanto a melhorar a balança comercial brasileira", considera o especialista em macroeconomia Felipe Queiroz.
Fonte: Correio Brasiliense | Fotos / Divulgação / Créditos: Freepik
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