Alguns meses depois, o que se segue é uma rotina de muito trabalho, cobranças, política interna, desconfiança, jornadas intermináveis e a constatação de que se tratava de um emprego como tantos outros, sem qualquer glamour. Sua rotina passa a ser sufocante, segundo ela, como a de tantos profissionais. Sem dormir direito e voltando para casa em prantos quase todos os dias, dois anos depois, ela pede para tirar duas semanas de férias antecipadas. Vai para a praia com o marido, mas ao pisar no trabalho de novo, percebe que está no mesmo lugar, com as mesmas angústias de antes.
O burnout foi reclassificado este ano pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como um transtorno ocupacional pois está diretamente ligada ao esgotamento físico e mental relacionado ao trabalho. — Foto: Pexels
Aconselhada pela família, Mariana busca terapia. Ela ouviu falar sobre casos de burnout e acredita que pode estar sofrendo dessa doença — que foi reclassificada este ano pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como um transtorno ocupacional pois está diretamente ligada ao esgotamento físico e mental relacionado ao trabalho. Mariana não está só. Estima-se que 30% dos profissionais no Brasil sofram dessa doença.
O psiquiatra pede que ela tire pelo menos quatro dias a mais de folga para recuperar as energias e pensar em outras coisas. Ela faz isso. Está medicada. Ao voltar de novo ao trabalho, sente-se assediada moralmente por seus superiores ao ser escanteada de projetos e percebe que é tratada de forma diferente dos outros. Vai parar no pronto-socorro três vezes com dores no peito, sem conseguir respirar. Diagnóstico: ataque de pânico. A insônia persiste, o choro. Após esses episódios, o psiquiatra encaminha um novo pedido de afastamento por mais duas semanas e reconhece que Mariana vive um burnout.
Corta. Mariana chega ao trabalho, após a licença médica, às 8:30, como de costume. É chamada na sala do chefe, que pede que ela traga o laptop para a reunião. Alguns minutos depois está demitida e tem que entregar o computador no mesmo instante. Sua senha é bloqueada e nem os últimos e-mails consegue ler. Ela sai de lá sentindo-se injustiçada, culpada e tão fragilizada como quando saiu de licença. E com muita raiva, claro. E como me disse o professor de Stanford, Jeffrey Pfeffer: “a raiva é certamente uma emoção mais forte do que o remorso.”
Fiz questão de contar esse relato porque nunca se falou tanto sobre a importância de se olhar para a saúde mental nas empresas. Mas, quando um caso como esse ainda acontece em lugares onde a organização se diz alinhada às novas práticas da gestão, me pergunto o que essa companhia deixou de perceber. Que um funcionário precisava de maior atenção e talvez pudesse ter sido acudido antes de sua crise chegar ao limite? Ou que sua liderança não estava preparada para lidar com esse tipo de situação? Ou ainda que mantém gestores tóxicos em cargos de comando?
Não é fácil lidar com as próprias inseguranças e angústias e mais difícil ainda é entender as dos outros. Aceitar que aquilo está acontecendo em sua equipe, tirar um tempo de uma agenda lotada e estressante para ouvir o que um funcionário tem a dizer, enfrentando um alto nível de cobrança por resultados, não é tarefa simples. Especialmente para a tão espremida média gerência, que pouco tem acesso aos CEOs, que também está pressionada e tem pouco tempo para ouvir aquilo que não estiver diretamente relacionado com os negócios. Lideranças, por outro lado, que também veem suas equipes desmoronarem emocionalmente, mas têm poucos recursos e ferramentas para lidar com essas situações, não foram preparadas para isso. Ninguém teve tempo para tratar dessa questão ou para falar com eles.
Susan David, psicóloga de Harvard que estuda há mais de 20 anos como podemos e devemos lidar com as nossas emoções com maior agilidade, inclusive com as negativas, foi taxativa ao me dizer em entrevista recente que nenhuma organização hoje vai ser sustentável se não entender que o que seus funcionários sentem importa. Não é possível fingir que está tudo bem ou apenas oferecer palestras sobre saúde mental.
Quando a Mariana vai embora, não importam os motivos, a empresa vai pagar por isso. Ignorou que problemas de saúde mental poderiam estar influenciando a performance dela e que suas repetidas ausências não eram uma escolha. E, quando digo em pagar o preço dessa saída, não estou falando do custo da rescisão ou até de processos trabalhistas. Uma consultora da McKinsey me disse recentemente que o tempo médio para um profissional atingir sua melhor performance em um novo trabalho é de pelo menos seis meses. Na ponta do lápis, a empresa saiu perdendo, na gestão humanizada então nem se fala. Até quando vamos ignorar que existe um humano, com toda a sua complexidade, por trás de cada crachá?
Fomte: Valor | Foto: Divulgação
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