A Organização das Nações Unidas – ONU estima que em 2050 existam quase 10 bilhões de pessoas no planeta terra, o que vai exercer forte pressão na demanda de alimentos. A mesma organização ressalta a importância do Brasil no fornecimento dos alimentos para essa população mundial em crescimento.
Portanto não há dúvidas que haverá uma evolução na demanda por alimentos e organizações mundiais como a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) tem como missão alcançar a segurança alimentar para todos, tendo como objetivo a erradicação da fome no planeta. No mundo hoje, existem 842 milhões de pessoas na condição de insegurança alimentar. Além dos esforços para que todas as pessoas tenham acesso a alimentos de boa qualidade, a FAO estima que em 2050 a população chegue a 9.8 bilhões, 29 % a mais do número atual, e que como os níveis de renda serão maiores dos que os de hoje, a produção de alimentos terá que aumentar em 70 %.
Qual o papel do Brasil neste cenário ?
No momento atual da produção agrícola brasileira e de cenário futuro, o Brasil se consagrará como o maior fornecedor para responder ao aumento da demanda global de importação de ‘commodities’, segundo dados da FAO.
Muito se comenta sobre a importância do país se desenvolver para uma nação produtora de itens de valor agregado em tecnologia, o que sem dúvida nenhuma é muito importante, através não somente de projetos na área da educação, pesquisa e desenvolvimento, mas também na conscientização da relevância da forma em que se deva fomentar isto, ou seja, o tripé de parceria entre mundos acadêmico, iniciativa privada e governo, já tão celebrado em países desenvolvidos. Entretanto, importante também que tomemos conhecimento, por exemplo, não somente da tecnologia que já é empregada em uma indústria de frango, e em especial, todas as décadas de pesquisa empregada da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) no campo, mas também que tomemos consciência de que somos uma nação vocacionada para o agronegócio, para alimentar o mundo. O resultado da soma da dádiva de terras cultiváveis que a natureza nos concedeu, mais nossos esforços em pesquisa e tecnologia, nos vocacionaram para suprir o planeta com produtos cujo gênero é de primeira necessidade. Para se ter uma breve ideia de nosso potencial como produtor fornecedor, somente a nova região produtora brasileira, conhecida como MATOPIBA, que compreende os Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, possui terras ainda a serem cultivadas do tamanho da dimensão de um país como Portugal, e nossos dois maiores concorrentes, produtores fornecedores, Estados Unidos e Argentina, não possuem mais terras a serem cultivadas.
Além desta promissora região que é o MATOPIBA, considerada uma área bioma de interesse econômico e historicamente de custo mais favorável no Cerrado, que deve se tornar uma grande fronteira agrícola nacional, mesmo com algumas características diferentes que dificultam um pouco mais o plantio e colheita, necessitando de mais pesquisa científica, temos as grandes áreas produtoras no centro-Norte do país, que tiveram seu início de ocupação no norte do Estado do Paraná, seguindo para o Sudoeste de Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso até o limite do bioma amazônico.
Toda esta realidade presente e potencial futuro de produção, entretanto, de nada vale, em termos de fornecimento para o mundo, caso não estejamos devidamente preparados estrutural e logisticamente falando para esta entrega. Aqui vale ressaltar algumas definições e conceitos de infraestrutura e logística. Na verdade, a definição de infraestrutura é o conjunto de atividades e estruturas da economia de um país que serve de base para o desenvolvimento de outras atividades. Ex. Rodovias, Ferrovias, Portos, Rede de Energia, Comunicação, etc.
Definiríamos logística, por sua vez, como uma arte, uma ciência, dedicada a otimizar processos para entregar produtos certos, no local adequado, no tempo certo, e com o menor custo possível.
A matriz logística brasileira foi concebida por diversos fatores de interesses históricos de forma desequilibrada. Temos uma matriz parecida com a dos argentinos, que está calcada majoritariamente no transporte rodoviário. Porém a Argentina não possui dimensão de um país continental, possuindo apenas cerca de 300 km de extensão da região produtora até o Porto. Já o Brasil, considerado um país-continente, tem de extensão de sua região de produção até o Porto aproximadamente 1.000 km, exatamente a mesma extensão de seu outro forte concorrente, os americanos, que com seu acertado planejamento histórico de malha ferroviária, justificou distâncias e consagrou sua economia de escala.
Todos os modais de transporte são estratégicos e relevantes para a economia dos negócios e do que chamamos de definição de logística empresarial, o que se defende é um maior equilíbrio entre eles, uma multimodalidade, intermodalidade, uma sinergia para que haja realmente a otimização do processo para a correta logística integrada.
Já estivemos em situação pior. Hoje, com esta pasta de Infraestrutura do governo atual, que exerce um excelente mandato e parece tratar as questōes nacionais como assuntos de Estado e não de Governo, podemos observar e avaliar muitos avanços em nossa infraestrutura que tende a facilitar o escoamento de nossas ‘commodities’ .
Arco Norte x Arco Sul
Acompanhando a tendência de mudança no rumo logístico para escoamento da produção, o Ministério da Agricultura tem incentivado o desenvolvimento e a consolidação dos portos e os corredores de exportação do Arco Norte , compostos pelos terminais de embarque localizados nas regiões Norte e Nordeste do país.
Fruto de discussões do setor produtivo, o Arco Norte é definido por uma linha imaginária que atravessa o território brasileiro no Paralelo 16 Sul, passando próximo as cidades de Ilhéus (BA), Brasília (DF) e Cuiabá (MT). Ao Sul desse paralelo há a fronteira agrícola consolidada e, ao norte, a nova fronteira agrícola. Os portos de principal interesse do agronegócio que compõem esse segmento logístico são os de Itacoatiara (AM), Santarém e Barcarena (PA), Santana (AP), São Luís (MA), Salvador e Ilhéus (BA).
Claramente, a produção que ocorre nas proximidades do Paralelo 16 Sul encontra-se numa zona de relativa “indiferença” quanto à escolha da direção do escoamento da produção (Arco Sul ou Arco Norte). Isso dependerá basicamente da infraestrutura logística à disposição: quanto mais densa essa infraestrutura (rodovias, ferrovias e hidrovias), mais atraente e indicada será a opção por um dos vetores logísticos.
Partindo da premissa de que a Logística induz a produção, a consolidação do Arco Norte como produtor e exportador foi extremamente importante, pois os portos mais próximos de determinadas áreas produtoras tendem a assumir uma vocação natural para o escoamento dos produtos relativos àquelas zonas produtoras que lhe são circunvizinhas; enquanto, historicamente, os portos do Arco Sul já recebiam, até um passado bem recente, produtos que vinham de mais de 2 mil quilômetros de distância por via exclusivamente rodoviária, o que encarecia demasiadamente o escoamento da produção.
Isso fez com que, por muito tempo, o Brasil exportasse, mas não de forma competitiva, pois o modal exclusivamente rodoviário percorria longos trajetos, a alto custo e com reduzidos volumes de carga, se comparado a formas multimodais. A título de exemplo, a média de carga do transporte rodoviário no Brasil é de 40 toneladas por caminhão; um trem, por sua vez, pode chegar a transportar entre 7.000 a 10.000 toneladas e um comboio de barcaças pode levar 40.000 toneladas, o que equivaleria a substituir cerca de 1.000 caminhões, com o fator adicional de que o transporte rio abaixo poupa os custos energéticos do escoamento, o que torna o escoamento multimodal mais atrativo a despeito dos gastos de transbordo, sem mencionar nos ganhos ambientais com a redução da emissão de gases poluentes, ou seja, há o estabelecimento de todo um processo competitivo que chega a transcender a própria logística em si.
Entretanto, mesmo com todas essas vantagens e todos os avanços do chamado ‘Arco Norte’, o Centro Sul do país também possui uma densidade de infraestrutura viária e as distâncias relativamente curtas fazem o modal rodoviário imprescindível sobretudo nessa área do país. Apesar disso, há malhas ferroviárias de relevância, como a paulista, que leva até o nosso importante Porto de Santos.
O que vinha se apregoando e de certa forma continua a ser uma boa aposta de alternativa de corredor logístico para este grande potencial de incremento de produção futura, conforme já dito, é de fato a utilização dos terminais do arco norte. Até cerca de 1 (um) ano atrás, para exemplificar, de Sorriso (MT) até Santos (SP) ou Paranaguá (PR), o transporte de uma tonelada de grãos poderia chegar a ser R$ 50 mais cara do que pelos terminais do Arco Norte. O desafio então, considerando o aumento de produção, seria melhorar as vias e os modais de acesso em ambos os setores, pois, além do escoamento, há o gargalo da armazenagem, já que a produção cresce acima da capacidade de estocagem estática do País.
Entretanto, quanto melhor forem as opções de logística e de infra, possibilitando melhores custos finais de margem do produto, partindo da região de produção, este será o corredor logístico escolhido para o escoamento. Queremos dizer aqui que a situação pode se alterar de tempos em tempos. Existe uma certa complexidade na análise logística e a isto damos o nome de competitividade logística.
Por exemplo, uma carga saindo de Sorriso-MT, qual o custo total logístico de escoamento para Santos e Barcarena no norte ? Então consideramos frete, perdas com quebra, custo portuário, ‘port spread’, etc.
Podemos dizer que o mais relevante neste caso nao é o porto que e carga será escoado, mas sim onde a carga foi produzida, que depedendo da região, vai converger para regiao X, Y ou Z.
Em um estudo logístico comparativo recente para 2022, com base em 3 (três) cidades de Mato Grosso Norte e Médio Norte, onde a intenção da análise foi encontrar aonde estava a “linha de corte” do MT, comparando o fluxo do Arco Norte (Barcarena) x Arco Sul (Santos), o estudo mostrou que que o fluxo de Sinop, a faixa de Gaza do MT, para o sul em 2022 está mais “agressivo”, com o custo logístico menor, atraindo carga do Arco Norte para o Porto de Santos.
Apesar da grande evolução em infraestrutura e desenvolvimento do chamado “Arco-Norte” nos últimos anos, asfaltamento de rodovias, maturação da intermodalidade hidroviária e desenvolvimento dos portos do Norte e Nordeste, o fluxo para o Sul do Brasil também tem passado por diversas melhorias e vem dando sinais que irá entrar firme na briga pelo escoamento desse volume, principalmente pelo porto de Santos, onde se concentram os principais investimentos no modal ferroviário; tais como aumento de infraestrutura em seus terminais, abertura do novo grande investimento realizado pela Rumo, um novo transbordo localizado em Rio Verde, captando carga do sudoeste goiano e demais regiões do Brasil, transbordo esse em que já foram iniciadas as operações pilotos no ano de 2021, projetos de novos investimentos em transbordos tais como em Lucas do Rio Verde localizado no médio-norte do Mato Grosso, uma das principais regiões produtoras do Brasil e Anápolis localizado no leste goiano. Além de investimentos nos portos de destino, por onde será exportada toda esta carga.
O agronegócio, como cadeia produtiva completa, compreende movimentos públicos e privados que conceitualmente podemos entender como “Antes Da Porteira - Dentro Da Porteira e Depois Da Porteira”. Conforme já colocado aqui, nosso Brasil tem se saído muito bem “Dentro Da Porteira”, com todos os anos de pesquisa e tecnologia no campo, e está começando a engatinhar de forma mais sinérgica “Depois Da Porteira”, tomando consciência de que se faz necessário incrementar sua infraestrutura e equilibrar sua matriz logística. Temos ainda muito a caminhar também "Antes da Porteira", com os sistemas agro industriais, a insuficiência e a alta demanda de fertilizantes para o agricultor. Hoje o Brasil é especialista do que acontece “Dentro Da Porteira”, mas ainda não domina e há um longo caminho para se estruturar e ser auto suficiente no que acontece “Antes da Porteira” e “Depois da Porteira”.
Podemos compreender com isto, portanto, que o ‘Arco Sul’ continua a ser uma região muito bem vinda para o agronegócio enquanto corredor logístico pois hoje favorece muito mais essa integração entre “antes – dentro e depois Porteira”, já que possui indústrias de transformação mais próximas de seus portos, no sul, sudeste, do que do norte, nordeste. A região Sul possui uma indústria de agropecuária mais moderna e uma rede de serviços, comunicações e transportes mais densa. Podemos então assim dizer que ainda hoje a cadeia completa do agronegócio se fecha mais no ‘Arco Sul’, sendo este um de seus fatores de competitividade.
Quem vai colher os frutos dessa saudável competição será o país e todos os envolvidos nessa tão importante cadeia do agronegócio brasileiro.
Devemos entender que, como ocorre no transporte multimodal, em que ferrovia, rodovia e hidrovia não competem entre si, mas sim de forma sinérgica otimizam o fluxo de cargas, o devem fazer assim também os portos do Arco Norte e Sul, servindo de alternativa para o grande incremento de produção do agronegócio, cujo Brasil terá a oportunidade e a grande responsabilidade de ser o ator principal na cadeia de suprimentos.
Há espaço para todos neste país de extrema vocação agrícola e sem dúvida os portos do ‘Arco Sul’, incluindo, claro, o nosso gigante Porto de Santos, está destinado a jamais ser uma estrela apagada nesta importante cadeia de alimentos para o mundo.
por: Marcelo Neri
Associate Director - Alphamar Agência Marítima
Fonte de Pesquisa: Introdução a Logística do Agronegócio Brasileiro (MAPA)
Fonte: Jornal A Tribuna - Caderno De Popa a Proa | Foto: Divulgação
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