A partir de 01/01/2023, passaram a vigorar regras adicionais de prevenção da poluição do ar por navios, por meio do controle de emissão de dióxido de carbono (CO2). Tais regras foram instituídas pelo Capítulo 4 do Anexo VI da MARPOL, que torna obrigatório o cálculo do Índice de Eficiência Energética de Navios Existentes (Energy Efficiency Existing Ships Index – EEXI) e do Índice de Intensidade de Carbono (Carbon Intensity Indicator – CII). Estas provisões causam impactos relevantes nos contratos de afretamento e de transporte marítimo, sendo oportuno conhecê-los. No entanto, antes disso, é necessário apresentar resumidamente o conteúdo dos referidos requisitos.
Em síntese, o EEXI é exigível para navios com arqueação bruta superior a 400 toneladas, havendo um limite máximo permitido que varia segundo o tipo de navio. Sua fórmula relaciona a quantidade de emissões de CO2 de projeto do navio com a sua capacidade de transporte e a velocidade de serviço. Tais limites serão reduzidos a cada 5 anos. A forma mais simples de ajustar o EEXI, caso necessário, é por meio da instalação de dispositivos que reduzem a potência dos motores de combustão ou a potência do eixo de propulsão. Além disso, é possível obter a redução do EEXI por meio da instalação no navio de diversos dispositivos, como baterias, sistema de recuperação de calor desperdiçado, auxílio de propulsão por velas, etc.
Por sua vez, o CII é exigível para navios com arqueação bruta superior a 5.000 toneladas. Sua base de cálculo considera os dados de consumo de combustível do navio coletados durante um ano. Sua fórmula relaciona a quantidade medida de emissões de CO2 do navio com a sua capacidade de transporte e a distância navegada no período. O CII anual é classificado nas categorias A, B, C, D ou E, onde A é a categoria de melhor desempenho. A MARPOL estabelece que os navios que forem classificados na categoria D por três anos consecutivos ou na categoria E por um ano, deverão submeter à administração da bandeira do navio um plano de recuperação para que o navio passe a operar pelo menos na categoria C.
As alternativas que os navios têm para ter CII adequado são, entre outras: utilização de combustível com baixo teor de carbono; manutenção do casco limpo; otimização de rota e velocidade; instalação de dispositivos de eficiência do casco; instalação de placas solares ou geradores eólicos para geração de energia para acomodações.
O cumprimento destas regras cria interface relevante com os contratos de afretamento e transporte marítimo na medida em que: (i) sendo implantada a redução de potência de propulsão, haverá redução das velocidades máxima e de serviço do navio; (ii) for necessário fazer uso de combustíveis com baixo teor de carbono, que tem maior custo; (iii) for necessário instalar equipamentos ou sistemas para melhorar o resultado do EEXI ou CII, gerando indisponibilidade do navio para realização das viagens e custos de investimentos.
Neste sentido, para endereçar tais impactos nos contratos de afretamento por período, a BIMCO publicou as cláusulas EEXI TRANSITION CLAUSE FOR TIME CHARTER PARTIES 2021 (“Cláusula EEXI”) e CII OPERATIONS CLAUSE FOR TIME CHARTER PARTIES 2022 (“Cláusula CII”).
A Cláusula EEXI foi concebida para modificações no navio que visam reduzir a potência dos motores de combustão ou a potência do eixo de propulsão. Outros tipos de modificações deverão ser previamente acordadas entre as partes contratantes.
Para as modificações de redução de potência, o fretador não precisa obter autorização do afretador para realizá-las, devendo informar a previsão de sua realização com pelo menos três semanas de antecedência. Nesse caso, o afretador deverá direcionar o navio para o local requerido pelo fretador. O tempo de paralisação do navio e os custos de modificação serão por conta do fretador. Concluída a modificação, o afretador ficará obrigado a instruir as viagens do navio observando a sua nova velocidade máxima, que será inferior a velocidade máxima originalmente contratada. Destacamos que não há previsão de rescisão contratual, por parte do afretador, caso a nova velocidade máxima seja significativamente inferior a originalmente contratada.
Por sua vez, a cláusula CII estabelece que as partes contratantes devem cooperar para que as metas de CII do navio sejam atingidas. Sendo assim, está previsto que o afretador determine as programações de viagem de modo a fazer com que o CII do navio seja mantido dentro do limite que as partes acordaram no contrato. Se a qualquer tempo o fretador identificar que há tendência de o CII exceder o limite estabelecido no contrato, o afretador deverá apresentar um plano da programação futura do navio, de modo a fazer com que o CII se mantenha no limite contratado. Está previsto que o afretador indenize o fretador em caso de perdas e danos decorrentes do descumprimento das provisões desta cláusula. Está definido também que o fretador deverá incluir nos Conhecimentos de Transporte Marítimo (Bills of Lading) decorrentes da execução do contrato de afretamento uma provisão que estabeleça que o transportador não será responsável por danos sofridos pelo embarcador em razão do cumprimento das obrigações previstas na Cláusula CII.
A cláusula não endereça o tratamento a ser dado caso o descumprimento dos limites de CII seja decorrente de condições inadequadas do casco do navio ou de manutenção ou operação inadequada dos equipamentos e sistemas do navio que afetam o resultado do CII.
É importante considerar que pode ocorrer que os ajustes nas programações de viagem do navio, de modo a atender os requisitos do CII, podem eventualmente causar impactos relevantes na comercialização da carga transportada, como por exemplo atrasos em sua chegada.
Também vale destacar que, do ponto de vista do afretador, a depender da situação, é conveniente instruir o navio a chegar ao porto de destino o mais cedo possível, de modo a favorecer o recebimento de sobreestadia relativa ao contrato comercial ou de afretamento por viagem, conforme aplicável. Por outro lado, do ponto de vista do fretador, esta instrução de viagem não é conveniente, porque favorece a elevação do CII. Este conflito pode ser alvo de disputa significativa entre os contratantes.
A BIMCO ainda não elaborou nenhuma cláusula para endereçar as exigências de cumprimento do EEXI e do CII nos contratos de afretamento por viagem. No entanto, ressaltamos que o atendimento a estes requisitos também causam impactos nestes tipos de contrato. A título exemplificativo, pode ocorrer que o fretador opte por realizar a viagem contratada em velocidade inferior a velocidade de serviço, de modo a manter o CII do navio dentro do limite permitido. Tal situação pode impactar o contrato comercial relativo à carga transportada, em caso de atraso em relação a data compromissada. Nesse sentido, é oportuno lembrar que neste tipo de contrato cabe ao fretador definir a velocidade que o navio cumprirá na execução da viagem.
Além das cláusulas EEXI e CII, a BIMCO publicou a ETS - EMISSION TRADING SCHEME ALLOWANCES CLAUSE FOR TIME CHARTER PARTIES 2022 (“Cláusula ETS”) que trata do pagamento da taxa de emissões, exigidas pela União Europeia no Sistema de Comercialização de Emissões (EU Emissions Trading System - EU ETS). Esta cláusula estabelece que o afretador deve providenciar os recursos necessários para que o fretador faça o pagamento da referida taxa.
As cláusulas apresentadas até agora se referem ao atendimento às exigências normativas quanto a descarbonização das viagens de navios. No entanto, ressaltamos que há potencial demanda para outros ajustes contratuais decorrente de exigências específicas e voluntárias de afretadores e embarcadores.
Em dezembro/2022 a empresa de consultoria Boston Consulting Group publicou o resultado de uma pesquisa que avaliou 125 empresas embarcadoras quanto ao seu interesse em pagar prêmio nos fretes para o transporte marítimo que tenha carbono neutro.
A pesquisa mostrou que 82% das empresas consultadas estão dispostas a pagar tal prêmio, sendo este montante 11% maior que o encontrado na pesquisa realizada em 2021. A pesquisa também revelou que 71% das empresas consultadas estão dispostas a estabelecer relações de fidelidade com transportadores que tenham políticas de carbono neutro. Em 2021 esta quantidade era de 67%.
Além disso, observa-se na pesquisa que 50% das empresas consultadas tem como motivo principal para a preferência de fretes com carbono a demanda dos seus clientes das empresas consultas ou pressão do mercado financeiro. Em 2021 esta quantidade era de 40%.
Estes dados fazem concluir que há uma forte tendência para que os contratos de afretamento e de transporte marítimo passem a incluir também provisões específicas para atender a demanda de seus contratantes. Como exemplo, podemos citar as seguintes cláusulas: utilização de combustíveis de baixo carbono; exigência de política e procedimentos do fretador para transporte com carbono; estabelecimento de requisitos adicionais ao EEXI e CII, específicos para o contratante; avaliação de desempenho em relação aos requisitos de descarbonização com previsão de pagamento de bônus ou descontos nos preços contratados.
Espera-se que nos próximos anos as alterações nas provisões dos contratos de afretamento e de transporte marítimo sejam cada vez mais frequentes. Tais alterações demandarão um esforço negocial maior das partes para se chegar a um acordo. Na esteira destas tendências, entendemos que haverá aumento de disputas contratuais porque as cláusulas de descarbonização são recentes no mercado (havendo assim imperfeições em seu conteúdo) e porque a sua aplicação é muito complexa.
Iwam Jaeger Junior é sócio do Escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados
Paulo Campos Fernandes é advogado consultor do Escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados
Fonte: | Foto: Divulgação
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