O título do presente artigo naturalmente parodia a famosa frase de William Shakespeare (ser ou não ser), e tem o propósito de ressaltar o dilema que vive o sistema portuário brasileiro com relação às autoridades portuárias.
O governo que se encerrou no último dia 31 de dezembro tinha um programa bem decidido em promover a desestatização das autoridades portuárias, fossem companhias docas ou administrações delegadas a estados ou municípios. Dos três projetos mais avançados, apenas um foi concretizado, que foi a desestatização da Cia. Docas do Espírito Santos – CODESA, arrematada por um fundo de investimento. Os outros dois, Santos e Itajaí, encontram-se com seus processos em diferentes fases no TCU e não houve tempo hábil dentro do mandato de Jair Bolsonaro para proceder aos leilões, até porque ainda restam pontos importantes a serem ajustados (ex: participação societária de concessionários e o túnel de Santos).
Do outro lado do espectro temos o novo governo, que assumiu há dias e, nas palavras do Presidente, “não haverá mais privatizações no país, de forma alguma”. O novo Ministro dos Portos, Márcio França, em sua posse, inclusive, reiterou essa posição, citando mais especificamente as Autoridades Portuárias.
Dentre os usuários e operadores nos portos públicos, há visões distintas. Há aqueles que vêm como vantajoso privatizar totalmente a gestão, mantendo-se sob sua supervisão os terminais portuários concessionados, enquanto outros advogam que se mantenha o modelo atual das autoridades portuárias públicas, também mantendo os terminais portuários concessionados. Mas ainda há aqueles, nos quais esse articulista se enquadra, em posição pessoal, que defendem que se tenha uma autoridade portuária publica enxuta, com gestores profissionais e mandato pré-determinado, atuando como “administrador do condomínio” e ente regulador e mediador, tendo o olhar do interesse público, no entendimento que um porto cumpre um papel mais transcendente que o simples carregar e descarregar navios, dado seu impacto econômico e social em toda a sociedade, na região em que se insere, deixando porém para a iniciativa privada toda a operação, inclusive manutenção de canais, sinalizações e dragagem.
É preciso lembrar que num passado já distante tivemos portos administrados por empresas privadas, no caso de Santos, gerido pelos empreendedores Gaffrée & Guinle numa concessão de 90 anos que se encerrou em 1980 e, no Porto de Imbituba, sob gestão do empreendedor Henrique Lage e sucessores até 2012. Era, porém, um outro modelo em que a operação estava totalmente nas mãos dos Administradores Portuários, além de que os volumes movimentados e tamanhos dos navios tinham outra dimensão infinitamente menor do que a observada atualmente.
A questão agora é saber se o novo Governo manterá o modelo de gestão estatal tal qual vem sendo exercida nos últimos anos ou promoverá uma reformulação, concedendo à iniciativa privada, por exemplo, a gestão dos acessos aquaviários e a dragagem, cuja administração burocrática e pouco alinhada ao crescimento do tamanho dos navios têm sido um permanente obstáculo ao desenvolvimento dos portos nacionais?!
Nessa linha, a revista Veja em sua última edição, referindo-se a Santos, menciona que a “ideia do Ministro é manter a autoridade portuária sob as rédeas do Estado e privatizar a administração do local” . Embora a afirmação seja um tanto quanto vaga, permite inferir que a dragagem e manutenção do canal possam realmente ser objeto de concessão, não só em Santos, mas também nos demais portos nacionais.
Seja qual for o caminho que o Governo decida trilhar, é preciso ter em mente que a mudança na navegação, notadamente o crescimento em comprimento, largura e calado dos navios, não irá aguardar a adequação dos portos brasileiros, dada a busca incessante dos armadores por economia de escala e redução das emissões de carbono, para cumprir com as novas exigências internacionais (leia-se IMO 2023).
Atualmente predominam nos principais tráfegos de e para o Brasil os navios de 8 a 12 mil TEU, com comprimento de 305 a 330 metros, porém essa classe de navios deve desaparecer dos oceanos nos próximos 5 a 10 anos (pois praticamente não há encomendas para esse tipo de embarcação), justamente em virtude da ineficiência energética de navios desse porte (grandes demais para rotas regionais, feeder e cabotagem, porém ineficientes nas rotas longas), conforme demonstrado no gráfico seguinte:
A tendência natural é que passem a operar no Brasil os chamados “posts panamax”, com capacidade entre 12 e 14 mil TEU, comprimento de 336 a 366m, largura em torno de 48 a 52 metros e calado máximo de 16 a 16,5m. Esta substituição inclusive já está acontecendo (recentemente operou por aqui o "Rio de Janeiro Express" com 13.300 TEU) e que deverá se intensificar nos próximos anos.
Dessa forma é essencial e crítico que o Ministério dos Portos passe a trabalhar com urgência na adequação dos principais portos, que exigirão maior calado, realinhamento dos canais de navegação e adequação dos berços, seja em sua profundidade, comprimento ou reforço estrutural. A alternativa em não preparar esses portos, ou demorar em fazê-lo, poderá levar os armadores a atender o mercado brasileiro por meio de navios feeder menores, transbordando a carga em portos do Caribe, por exemplo.
Esse é o desafio que se oferece ao novo Ministro. Esperamos que ele procure ouvir aqueles que estão no dia a dia dos portos: os armadores, os gestores dos terminais de carga, os operadores portuários, os funcionários das Administrações Portuárias e as entidades de classe, para que entenda o que realmente precisa ser feito.
Boa sorte, Senhor Ministro, conte conosco!
por: Robert Grantham é sócio da Solve Shipping Intelligence Specialists
Fonte: | Foto: Divulgação
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