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Estatísticas e o Agronegócio

Alguém já disse que a Estatística é a arte de torturar os números, até eles confessarem

Enviado por: Redação | @jornalportuario
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Assim é que, dependendo da intencionalidade que quem organiza pesquisas quantitativas, os resultados podem ignorar contextos e, como se diz no jargão acadêmico, ser “profecias autorrealizáveis”, ou seja, fazer o resultado “confirmar” a expectativa de quem a promove ou financia.

Pesquisas eleitorais têm sido um triste exemplo dessa “metodologia”.

No entanto, algumas instituições gozam de certa confiabilidade perante a opinião pública, como é o caso do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, instituído em 1934 e instalado oficialmente em 29 de maio de 1936, então denominado Instituto Nacional de Estatística ― INE.

Em verdade, essa função já era realizada desde o Império, por meio da Diretoria Geral de Estatística, criada em 1871.

As principais funções do IBGE são:

  • Produção e análise de informações estatísticas;
  • Coordenação e consolidação das informações estatísticas;
  • Produção e análise de informações geográficas;
  • Coordenação e consolidação das informações geográficas;
  • Estruturação e implantação de um sistema de informações ambientais;
  • Documentação e disseminação de informações; e
  • Coordenação dos sistemas estatístico e cartográfico nacionais.

Ao longo de sua história, o IBGE forneceu dados extremamente importantes para a elaboração de planejamentos estratégicos e ações efetivas.

Números são importantes desde os tempos dos “calculi”, pedrinhas que serviam para contar rebanhos. Antes disso, até. Eles são o argumento objetivo contra o “achismo”

O grande risco é quando eles são considerados fora de um contexto holístico, passando a considerar uma única vertente, ou quando parte do levantamento é utilizado para justificar interesses ou visões de mundo, querendo tornar interpretações em verdades absolutas.

Creio ser o caso de recente pesquisa do IBGE, que apontou que a agricultura familiar responde por cerca de 70% dos alimentos consumidos no Brasil.

Imediatamente, alguns grupos passaram a questionar a relevância do agronegócio para a segurança alimentar do país é do mundo, sem considerar sua inequívoca importância para a economia do país.

Já que é para encontrar alguma racionalidade na tortura dos números, faz sentido esse percentual para vegetarianos, veganos e consumidores de produtos orgânicos, normalmente pessoas de padrão aquisitivo maior. Não sei se esse percentual de aplicaria à imensa maioria da população brasileira e mundial.

Já ouvi, de parte de alguns que se apegaram a esse percentual, que o agronegócio produzia basicamente para rações de animais. Estaria alimentando apenas gado e afins. E quanto a peixes e frutos-do-mar?

Onde entra a carne - a proteína animal, para ser mais genérico - nessa estatística alimentar? A soja e o milho produzidos em larga escala não 

servem para mais nada? O trabalho da EMBRAPA de aprimorar sementes e ampliar a produção de leite e carne é inútil? O suco de laranja não entra nessa conta?

É possível alimentar quase 8 bilhões de pessoas, a maioria concentrada em áreas urbanas, apenas com agricultura familiar orgânica?

Os empregos diretos e indiretos gerados pelo agronegócio não entram nessa conta?

 

Do ponto de vista jurídico, toda confissão obtida por meio de tortura é ilegal.

Nesse caso, a “confissão” extraída dessa pesquisa precisa, no mínimo, ser melhor esclarecida pois, da forma como está sendo entendida por quem critica o agronegócio, pode impactar negativamente no principal item de exportação do Brasil, sem que haja alternativa para equilibrar as consequências de discursos ideológicos.

Utilizando dados da própria EMBRAPA, no artigo “Áreas cultivadas no Brasil e no mundo”, o Dr. Evaristo de Miranda cita estudo realizado pela Agência Espacial Norte-Americana (NASA) em parceria com Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS), publicado em 2017.

 

Segundo esse estudo, o percentual das áreas cultivadas em relação à área dos dez maiores países em extensão territorial era o seguinte:

  • Índia:              60,5%
  • EUA:                18,3%
  • China:             17,7%
  • Argentina:       14,0%
  • Cazaquistão:   9,6%
  • Rússia:            9,5%
  • Brasil:             7,6%
  • Canadá:          4,7%
  • Austrália:        4,6%
  • Argélia:                       3,7%

Agora considerando alguns dos países que mais cobram ações de recuperação ambiental do Brasil, embora defendam protecionismo para seus produtores de agronegócio, temos:

  • Dinamarca:     76,8%
  • Irlanda:           74,7%
  • Países Baixos:             66,2%;
  • Reino Unido:   63,9%
  • Espanha:         62,8%
  • Alemanha:      56,9%
  • França:            49,4%
  • Europa:           mais de 60% de suas terras dedicados à agropecuária

Mas o Brasil, com 7,6% é o “vilão”, externa e internamente. Tão “vilão”, internamente, que já ouvi que o rebanho nacional, um dos maiores do mundo, é responsável por parte significativa das emissões de gases de efeitos estufa. Até aí, essa afirmação não chega a ser incorreta. O problema foi no complemento da manifestação, que concluiu que o Brasil precisaria repensar sua condição de produtor de alimentos para o mundo.

Preocupação ambiental sem análise de impactos econômicos e sociais.

Essa afirmação partiu de uma convicção pessoal, sem considerar que o agronegócio gera tributos e divisas, que servem para financiar programas sociais e investimentos dos governos no que cabe a eles: saúde, segurança e educação, para citar os mais relevantes.

Se o Brasil quiser reduzir sua dependência econômica do agronegócio, precisa criar condições para que outras atividades floresçam e novas sejam implantadas.

As atividades industriais geram produtos de maior valor agregado, e consta que para cada emprego direto, quatro são criados indiretamente. O ideal é que elas ocorram próximo a centros consumidores e, no caso de exportações, de portos e aeroportos. Como o Brasil tem conformação territorial portentosa, também é necessário assegurar escoamento rápido da produção para consumo interno ou exportação.

Mas, considerando o arcabouço legal atual, essa diversificação estará sujeita aos mesmos problemas do agronegócio: licenciamentos ambientais demorados, draconianos; judicializações constantes; ingerências baseadas em convicções ideológicas etc., cenário que alguns caracterizam como progressista, mas que só tem tolhido o desenvolvimento econômico e social do Brasil, por mais sustentável que sejam as iniciativas governamentais e da iniciativa privada.

Uma pesquisa bem elaborada tende a fornecer dados que permitam uma análise muito mais abrangente e objetiva, sob múltiplos aspectos.

De fato, seria interessante que as estatísticas avaliassem de forma holística e isenta cenários e consequências, para que a sociedade não precise ser torturada com discursos baseados em fragmentos, crenças e opções pessoais.

Meu bife ao ponto, com salada mista e suco de limão, por gentileza! Ah, e não esqueça do chimichurri, hein!

 

 

Adilson Luiz Gonçalves - Escritor, Engenheiro, Pesquisador Universitário e membro da Academia Santista de Letras.

 

 

 

 

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